Transparência nas contas Públicas: marco legal e esforços para melhorar o acesso à informação

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) estabelece não apenas parâmetros para o gasto público como também elementos para a transparência da administração pública. Na linha dessa melhoria de eficiência administrativa, a Lei da Transparência (LC 131/2009) determina que as informações devem ser disponibilizadas em tempo real, detalhadas em relação aos orçamentos da União, Estados, Distritos Federal e Municípios. Para completar esse arcabouço jurídico, a Lei Federal de Acesso a Informação (LF 12.527/2010) regulariza o direito do cidadão comum a documentos públicos de interesse sem justificativa do pedido.

Além de toda a questão legal, o acesso à informação do orçamento público consiste em uma ferramenta de grande interesse social. Isso permite o acompanhamento por parte da população das movimentações do poder público tornando a administração mais democrática e participativa. Tal fiscalização também atua de forma a dificultar que o governante exerça seu poder para objetivos próprios que vão de desencontro ao interesse comum.

Para que uma informação alcance o nível adequado de transparência deve-se obedecer à três princípios:

·        Divulgação: as informações devem estar disponibilizadas e atualizadas para livre consulta da sociedade.

·        Clareza: as informações devem ter fácil compreensão e uma boa explicação dos indicadores eventualmente criados.

·        Acurácia (Accurancy): representa que a informação é confiável dada a relação entre emissor e receptor, ou seja, o fornecedor da informação não tem incentivos para burlar o valor declarado.

Dito isso, nota-se que atualmente há uma discussão da confiabilidade dos dados. Ressalta-se que as informações são de caráter auto declaratório e os servidores públicos têm prazos determinados para apresentar seus relatórios anuais sujeitos a multas e punições. Assim, em primeiro lugar, cabe colocar que para muitos casos são fornecidos dados que não coincidem com a realidade, mas a divulgação é feita com o objetivo de cumprir a lei e evitar consequências penais à administração[1]. Em segundo lugar, nota-se a existência de uma duplicidade das informações dado que os gestores públicos têm que fornecer dados para diferentes órgãos de controle. No caso do orçamento público total e designado por rubricas, são enviados alguns relatórios para a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e para o Tribunal de Contas Estadual (TCE) obedecendo metodologias específicas. Além disso, quando se trata dos gastos com saúde e educação, os gestores devem enviar um documento para as unidades de dados dos respectivos ministérios, SIOPS[2] e SIOPE[3].

Os problemas acima citados já foram identificados por vários órgãos nacionais que vêm buscando maneiras de melhorar a transparência. A STN, por exemplo, apresentou uma alternativa de padronização das entradas e saídas contábeis a partir da matriz de saldos contábeis. Além disso, outras inciativas vêm sendo tomadas com o intuito de melhorar o acesso a esses dados por meios digitais.

Matriz de saldos contábeis

A matriz de saldos contábeis é uma ferramenta apresentada pelo Tesouro Nacional para padronizar o envio e a divulgação das contas dos órgãos públicos entre os três entes da administração, municipal, estadual e federal. Esta metodologia reúne as contas contábeis e as informações complementares em uma estrutura semelhante a um balancete adequadas aos padrões internacionais de contabilidade do setor público e às regras de estatística de finanças públicas. A ferramenta faz parte do Plano de Contas Aplicadas ao Setor Público (PCASP) e sugere, de forma facultativa, a sua adoção a toda administração pública, com o intuito de homogeneizar a declaração do movimento financeiro em apenas um dado consolidado. Essa medida, caso adotada por um número razoável de gestores públicos, geraria uma melhoria considerável na transparência da contabilidade, principalmente por contribuir para a acurácia dos dados e permitir uma melhor comparação entre os diferentes atores.

A STN divulga as regras gerais e as principais informações para o preenchimento da matriz de saldos contábeis em seu site.

 Práticas de melhoria da transparência no Brasil

Algumas medidas para melhoria da transparência podem ser salientadas. Ao nível nacional, o Ranking Escala Brasil Transparente (EBT) desenvolvido pela Controladoria Geral da União (CGU)[4] mede a qualidade da informação para os municípios do Brasil a partir de uma metodologia de checklist. Os técnicos da CGU acessam os sites das prefeituras e procuram se existem alguns elementos que qualificaria a transparência dos dados. O índice é construído a partir de dois eixos, regulamentação da Lei de Acesso a Informação e a existência e o funcionamento do Serviço de Informação ao Cidadão (SIC). O primeiro deles contribui com 25% da nota final e o segundo com 75% para resultar em uma nota de zero a dez pontos. Eventuais empates são resolvidos pelo eixo de regulamentação da Lei de Acesso a Informação.

A CGU encontrou 2.328 sites de prefeituras que apresentaram alguma informação sobre a transparência das finanças pública para o ano de 2017. 76 cidades obtiveram a nota máxima das quais 11 capitais incluindo Vitória. No Espírito Santo, além da capital, Alfredo Chaves, Cariacica e Conceição da Barra, também alcançaram a nota máxima.

Outra iniciativa de destaque parte dos municípios de Santa Catarina e é organizada pela Federação Catarinense dos Municípios (FECAM). A FECAM instrui seus associados a divulgarem as informações da forma mais compatível com a Lei Federal de Acesso a Informação fornecendo apoio técnico em diferentes áreas do conhecimento. A medida já gerou resultados interessantes observados pelo indicador EBT, sendo que em 2017, 22 municípios catarinense obtiveram nota máxima. A título de comparação, os estados de Minas Gerais e São Paulo, apresentaram apenas 5 municípios cada na mesma característica.

Cabe destacar que o  Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) se apresenta como uma tribunal que atua fortemente na melhoria da transparência das informações do Estado do Espírito Santo e seus municípios, conforme detalhado abaixo. 

Medidas adotadas pelo TCE-ES

O Tribunal, através da plataforma de dados abertos CidadEs, disponibiliza uma série de informações para os municípios iniciadas em 2009. O usuário poderá encontrar dados de receita, despesas, limites legais da LRF, dentre outras informações para os 78 municípios, além de poder observar o desempenho dos mesmos por meio de rankings. Apesar desse esforço, os dados apresentados pelo TCE-ES não coincidem com as demais bases de dados do governo federal. Isso ocorre por questões já discutidas acima e podem gerar certo desconforto na sociedade que busca acompanhar a eficiência das gestões públicas. Dessa forma, em 2018, o TCE-ES assinou o Acordo de Cooperação Técnica 001/2018 com a STN para adotar a matriz de saldos contábeis nas contas do governo estadual e municípios.

A partir dos termos do contrato de cooperação, o TCE-ES está auxiliando os gestores públicos do estado no preenchimento e envio das informações da matriz de saldo contábeis. Nessa linha, os dados serão enviados uma única vez, seguindo as normas e serão agregados pelo próprio tribunal estadual. Cabe ressaltar que, atualmente, os municípios encaminham ao tribunal quatro relatórios fiscais, sendo três balanços trimestrais e um balanço final anual. Na nova metodologia, os relatórios passarão a ser produzidos pelo próprio corpo técnico do tribunal com base nas informações alimentadas na matriz de saldos contábeis pelos gestores municipais. O TCE também encaminhará os dados para a STN que evitará a duplicidade dos valores. O funcionamento do sistema está previsto já para o ano de 2020 e trarão ganhos expressivos para a transparência da informação no Espírito Santo.

O TCE-ES também se destaca dentre os demais tribunais por emitir a certidão negativa das contas julgadas irregulares pela internet desde 2015. Esse documento é exigido a qualquer cidadão que for assumir um cargo público no governo do estado ou em prefeituras em que haja essa exigência na legislação municipal. Além disso, a certidão também apresenta a consulta sobre ficha limpa do requerente que, por ventura, deseje se candidatar a algum cargo político. Antes da introdução dessa melhoria, os cidadãos capixabas deveriam protocolar o pedido no tribunal e esperar entre 48 e 72 horas para poder retirá-la. Assim, diminuiu o tempo de deslocamento da população, principalmente as do interior.



[1] Como exemplificado por Gomes (2018), entre 2002 e 2016, 58 municípios apresentaram a rubrica de despesa com pessoal e encargos sociais zerada. Isso ainda ocorreu para 360 municípios na rubrica despesa com educação e 10.221 municípios não declararam qualquer valor de despesas com as câmaras municipais.

[2] Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde.

[3] Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação.

[4] A metodologia do EBT se encontra no endereço: https://www.cgu.gov.br/assuntos/transparencia-publica/escala-brasil-transparente/metodologia e os resultados estão em: https://relatorios.cgu.gov.br/Visualizador.aspx?id_relatorio=23

Referências:

GOMES, Juliano. Avaliação da Transparência Municipal dos municípios brasileiros pelo índice de qualidade da informação da execução orçamentária municipal: 2003 a 2015. Orientador: Dra Ana Carolina Giubert. 2018. 55 f. Dissertação (Mestrado em economia) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2018.

MINISTÉRIO DA ECONOMIA (Brasil). Secretaria do Tesouro Nacional. Nota técnica, 2017. Matriz de saldos contábeis: Regras gerais e principais observações, Brasília, 2017. Disponível em: https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/pages/public/arquivo/conteudo/Matriz_de_Saldos_Contabeis_V1_0.... Acesso em: 10 out. 2019. 


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Sobre o(a) editor(a) e outras publicações de sua autoria

Lucas Araújo

Doutor em economia pela UFF. Atua como Analista de Estudos e Pesquisas Sênior do Observatório do Ambiente de Negócios. Pesquisa sobre indicadores de ambiente de negócios, desenvolvimento regional e cadeia produtiva.