O economista Celso Bissoli Sessa escreve sobre o uso de incentivos fiscais como ferramenta de desenvolvimento regional no Boletim de outubro
O especialista convidado Celso Bissoli Sessa traz reflexões sobre o uso do ICMS e concessões de incentivos fiscais pelos estados como política de desenvolvimento regional. Confira os principais trechos abaixo, e o texto completo no Boletim Econômico Capixaba de outubro.
As desigualdades regionais e as diversas tentativas de sua superação têm sido tema de estudo há várias décadas, embora tenham encontrado pouca ressonância nos debates econômicos do país. Mas essa falta de apelo não significa, de maneira alguma, que a importância deste tema seja menor ou que sua compreensão seja simples. As guerras fiscais, como uma das estratégias mais comuns entre os estados, não podem ser vistas fora desses debates.
São bastante conhecidos os processos de formação econômica do Brasil e de industrialização nacional, que consolidaram São Paulo como centro dinâmico do país. Porém, pouco se fala que esses processos sempre foram acompanhados das reivindicações dos estados por mais igualdade. Apesar das políticas nacionais de desenvolvimento, esses conflitos não diminuíram. É neste contexto de disparidades regionais que os estados passam a pôr em prática diversos programas de incentivos fiscais para atrair investimentos na tentativa de reduzir seu “atraso” econômico. Um pouco do olhar histórico nos ajuda a entender melhor os fatores que levaram ao acirramento das guerras fiscais entre os estados.
A “arma” utilizada nestas disputas foi forjada nas mudanças da estrutura econômica do país. Desde os ciclos de exploração, o Brasil sempre esteve bastante vinculado ao mercado internacional e, por isso, o sistema tributário tinha como principal fonte de receitas o comércio exterior, principalmente com o imposto de importação. Porém, à medida que o mercado interno foi se ampliando, essa fonte passou a ser cada vez mais importante e o sistema tributário precisava ser reestruturado para aproveitar esse crescimento. Em 1966, foi criado o ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), que era um imposto incidente sobre o valor agregado.
Mesmo que do ponto de vista nacional o ICM fosse um imposto sobre consumo, do ponto de vista dos estados esse imposto era, na verdade, um híbrido que incidia sobre a produção e o consumo já que eram adotadas diferentes alíquotas na origem e no destino das mercadorias. Na prática, essa mudança vinculou a arrecadação dos estados à parcela da produção que estava localizada em seus territórios, abrindo a possibilidade de sua utilização como instrumento de desenvolvimento regional pelos estados.
Nas décadas seguintes, com as crises financeiras dos anos 80 e 90, o poder de ação do governo federal foi reduzido e as políticas macroeconômicas de estabilização foram priorizadas, deixando de lado as preocupações com o desenvolvimento regional. Neste cenário adverso, os estados começaram a reivindicar uma participação maior nos recursos federais.
A dificuldade em se controlar as guerras fiscais se dá, em parte, porque em muitos casos não há manipulação explícita das alíquotas do ICMS.
Nos anos 2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo federal tentou impor limites às guerras fiscais ao exigir que os estados apresentassem estimativas dos impactos financeiros desses incentivos e, ao mesmo tempo, apresentassem algumas medidas compensatórias de aumento de receita.
Embora esse debate tenha sido muito influenciado pela metáfora “guerra fiscal” e pelas consequências sobre as finanças públicas, as disputas entre os estados suscitam um questionamento mais amplo: a concessão de incentivos fiscais pode ser considerada uma política de desenvolvimento regional?
Não há um consenso sobre os ganhos e as perdas das guerras fiscais, ou seja, a relação custo-benefício dessas políticas é bastante complexa de ser estabelecida.
Questões fiscais à parte, resta considerar até que ponto os resultados destas políticas são capazes de promover o desenvolvimento regional, ou seja, em que medida influenciam os investimentos, os empregos, a renda e o consumo da população.
Alguns poucos trabalhos procuram avaliar os impactos da guerra fiscal em termos mais amplos de desenvolvimento. A tese de doutorado deste autor (SESSA, 2019), que utiliza exercícios de simulação com redução do ICMS no Espírito Santo, traz alguns resultados que ajudam a entender, pelo menos em parte, a vitalidade da guerra fiscal, contrariando a argumentação, frequentemente utilizada, de que a guerra fiscal “acabaria por si mesma”, pois a capacidade de gerar resultados seria limitada. Ou seja, a disputa travada pelos governos estaduais pode ser considerada predatória do ponto de vista tributário, mas, ainda assim, assegura ganhos de bem-estar para a população.
Por não haver um critério específico que permita comparar todos os efeitos envolvidos, não é possível concluir, sem sombra de dúvidas, se a relação custo-benefício das guerras fiscais é positiva ou negativa em termos de desenvolvimento.
As guerras fiscais se alimentam da concentração regional. Em situações nas quais o governo, diante de significativas disparidades regionais, se ausenta da responsabilidade por políticas integradas de desenvolvimento regional, fica politicamente legitimada a pretensão das regiões em instituir políticas próprias com o formato de guerra fiscal, embora essas políticas se mostrem incapazes de criar instrumentos genuinamente endógenos de desenvolvimento.
Portanto, diante da inoperância político-institucional das relações federativas, ao não garantir um equilíbrio mínimo entre os diversos interesses regionais, há claros incentivos econômicos para que as disputas estaduais persistam.
O Boletim Econômico Capixaba é uma publicação mensal do Ideies sobre a conjuntura econômica do Espírito Santo e do Brasil. Além das seções fixas sobre temáticas conjunturais, todos os meses são trazidos um assunto em destaque ou um texto de um especialista convidado.
Celso Bissoli Sessa é economista e mestre em Economia pela UFES, doutor em Economia Aplicada pelo CEDEPLAR/UFMG e professor adjunto do Departamento de Economia da UFES.
Sobre o(a) editor(a) e outras publicações de sua autoria
Rodrigo Taveira
Economista (UFES) e Mestre em Administração Pública e Governo (FGV-SP). Atua como Analista de Estudos e Pesquisa Sênior na Gerência de Estudos Econômicos, com foco em estudos sobre conjuntura econômica, finanças públicas e crédito.